3.11.17

Os heróis de que Espanha não necessitava

Não é a primeira vez que Espanha prende políticos independentistas. Mas no caso da Catalunha há uma diferença fundamental. É o recurso à prisão para reprimir uma disputa que foi mantida no quadro da luta política e pacífica.
As prisões devem ser muito provavelmente constitucionais e legais. Mas são o ultimo de uma série de erros mútuos na gestão do processo. E não vejo como pode Espanha querer manter as pulsoes nacionalistas num quadro pacífico pelo uso destas armas.
Na Catalunha não há insurreição armada nem guerra civil. Mas sem a libertação dos presos de ontem também não há liberdade para a expressão de ideias políticas que talvez sejam minoritárias e talvez não, mas são seguramente merecedoras de apoio popular.
O governo de Rajoy já conseguiu transformar uma crise política numa séria ameaça à liberdade. Oxalá as instituições espanholas percebam que não é assim que se gere o nacionalismo e estudem os casos da Escócia e dos anos mais recentes da Irlanda do Norte, em vez de seguirem o caminho da repressão pura e dura.

24.9.17

O Expresso e o relatório secreto sobre Tancos

No caso do relatório secreto, o Expresso manteria a sua credibilidade se desmentisse os que já o desmentiram e demonstrasse que tem um documento autêntico ou assumisse responsabilidades jornalísticas por erro tão clamoroso. 
Qualquer varredura do assunto para debaixo do tapete de umas meias-palavras e umas semanas passadas coloca-o ao nível do jornalismo que come e amplia acriticamente o que lhe dizem se achar que vende e nesse caso até pode chamar Otávio Ribeiro para diretor, porque já não será digno da sua história.

D. Manuel Martins

D. Manuel Martins faleceu. O PS tinha com ele uma relação contraditória, muito marcada pelos conflitos nos anos 80. Mas era um homem que levava a sério o seu vínculo com o combate à pobreza e o compromisso social da igreja a que pertencia, do Cristo em que acreditava.

Fiquei, de quando me cruzei com ele, com a memória de  alguém que devia ter dificuldades com as hierarquias e que pretendia ser livre nas suas opções, que dizia o que achava necessário dizer. E também de uma pessoa com um bom-humor que acho sempre ser sinal de inteligência. 

Calou-se uma voz forte no compromisso social. De uma força que não tem muitos herdeiros, se algum tiver, na hierarquia de hoje.

8.9.17

O nosso racismo nocturno

Se um dia me dissessem à porta de uma discoteca "pagas mais porque tens gente mal vestida e pretos no grupo", o que faria? O que esperaria que os meus amigos no grupo que queria divertir-se fizessem?
A pergunta  não é meramente hipotética. Ouço histórias deste verão de Lisboa ao Algarve com esta narrativa e  vejo a situação racionalizada por um amigo negro com um "deixa lá, o nosso problema não é dinheiro" e por várias pessoas "que pagaram mais" com um "queriamos divertir-nos e deixaram-nos entrar, não faz mal".
A situação já não está nos não-ditos da ditadura dos porteiros de discoteca ou nos ditos de boca em boca entre clientes. É tudo explícito.
As pessoas com quem converso sobre o tema não são racistas e ficaram desconfortáveis. Mas ficaram noite dentro. Não mudaram de poiso. Não deixaram de lá ir. Não fizeram boicotes, nem apelaram ao boicote de outros. E eu o que teria feito?
O Estado, que deve ter quem leia notícias, não lançou nenhum aviso à nação contra a discriminação racista nos "locais de diversão nocturna". Não conheço nenhuma ação fiscalizadora e nenhum efeito dela, ou sequer nenhum embaraço que tenha sido causado aos espaços de que se queixam aqueles que ouço. Será desatenção minha?

"É a noite", dizem-me. Como se as leis e os princípios tivessem horário de recolher ou devêssemos aceitar que há "santuários" para o racismo. A mim tudo me parece estranho na naturalidade com que vejo este fenómeno ser vivido. Parece-me  incorporação do racismo nas nossas vidas.

3.9.17

O ovo que se partiu em cima da cabeça do PAN

O maior passo em falso do PAN até hoje, este de querer condenar uma prática que já não existe, correndo atrás da oportunidade mediática sem ponderação nem conhecimento do que efectivamente se passa. E entrando a fundo na política pelo lado que mais a nega, isto é pela tentativa recorrente de entregar à justiça a divergência de ideias que deve ser colocado no domínio do debate e da argumentação.
É certo que há práticas que violam os direitos dos animais e devem ser punidas. Mas como julgo que é consensual que tal não inclui partir um ovo, este equívoco do PAN é um bom exemplo de quanto mal andam os políticos quando correm sem ponderação nem investigação atrás de uma oportunidade se mostrarem e melhor exemplo ainda de que anda mal quem vê em cada esquina um pretexto para afirmar uma cultura de proibição. 
Tenho alguma dificuldade em ver o ecologismo português perder a sua componente libertária e evoluir para um animalismo autoritário.

26.8.17

Se Bernardino admite Ventura, é dever dos progressistas travar o PCP em Loures.

A correcção da desastrada ironia da candidata e a clarificação de que não acontecerá o que se antecipa no título que o Observador deu à conversa de Vítor Matos com Sónia Paixão permitiu que ficasse claro que o PS, caso ganhe Loures sem maioria absoluta, não se coliga com o PSD de André Ventura. Está reposto inequivocamente o bom-senso de manter um cordão sanitário entre o partido que tem a defesa radical da democracia na sua Declaração de Príncipios e o político que conscientemente quer ocupar o lugar de protagonista da moderna direita populista em Portugal. Nada falta nos discursos de Ventura, nem imigrantes, nem minorias étnicas, nem pena de morte.
Mas este episódio tornou ainda mas notório o silêncio e a ambiguidade do PCP em Loures e no país face à mais estridente ameaça de um partido de grande dimensão nacional aos valores fundamentais da nossa democracia. Saber se o PCP considera André Ventura um parceiro de governo local de Loures não é uma questão secundária. E o PCP não retirou até hoje quaisquer ilações de declarar xenófobo o discurso do Candidato do PSD.  O que quer dizer que infelizmente o PCP não provou ainda neste caso saber onde está a fronteira entre o pragmatismo e o oportunismo destituído sem princípios. Se o PCP admite governar com Ventura é dever democrático dos progressistas em Loures travar tanto O PSD quanto Bernardino.

15.8.17

O juiz de Oeiras, a candidata do CDS e o PSD de Loures

Daqui até às eleições autárquicas  tudo o que é local pode num segundo tornar-se nacional. Daí que o "juíz de turno" em Oeiras fosse péssimo para a justiça (não que a vulnerabilidade desta a arbitrariedades dos seus protagonistas locais seja propriamente surpresa) e que mesmo que Agata fosse uma óptima escolha num certo concelho, o que ela diz da política e do próprio CDS resulte numa péssima escolha a nível nacional para o partido que teve a decência de por à margem o candidato do PSD em Loures. Tal como André Ventura no PSD, Agata é agora parte da marca nacional do CDS. Vejamos que cromos marcarão a imagem dos outros partidos, de coligações e de movimentos de independentes.

20.7.17

Justiça e política: conta, peso e medida

Só esta semana e só pelo Bloco de Esquerda já foi anunciado o envio ao Ministério Público de dois dossiers políticos - as suas conclusões de uma das comissões de inquérito da CGD e o conteúdo das declarações de André Ventura.
Ao contrário de muitos outros, entendo que a relação entre a política e a justiça está muito mal definida em Portugal e que o que poderia estar razoavelmente bem legislado sobre o assunto é abastardado pela prática de uns e outros, políticos e magistrados, governo, parlamento, partidos e tribunais, sem esquecer os jornais e as televisões.
Tudo isto embrulhado numa retórica cínica em que quer os que usam os media para fazer (in)justiça quer os que usam a justiça para fazer (má) política fingem confundir a real separação de poderes com a inibição de análise crítica entre esses poderes, necessária à moderação de uns e outros. Exemplos? A timidez - será receio? - com que os políticos analisam o uso dado pelo tribunais a leis que são da república e para  aplicar por seres humanos a seres humanos. Mais exemplos? A voracidade - será activismo? - com que media e "fontes da
investigação" procedem a julgamentos populares sumários, muitas vezes quando os visados não podem sequer exercer adequadamente o direito de defesa.
O direito a um processo justo é um direito fundamental e o debate político é uma instituição que deve centrar-se em argumentos e não em ameaças ou pressões.
Tirem os tribunais da política e a política dos tribunais e ajudam a democracia. Mas para isso é preciso o bom-senso pessoal e o respeito pelo papel de cada instituição que por vezes escasseia em quem mais devia, por natureza das funções que desempenha, tê-lo.

19.7.17

A lição de André Ventura

André Ventura não é ignorante, nem o seu discurso sobre os  ciganos nasce de uma reacção primária e naif às complexidades da inserção das comunidades ciganas na sociedade portuguesa ou, interligadamente, de uma percepção primária e sumária de como funciona o Estado social português.
O discurso de André Ventura é despudoradamente eleitoral. Provavelmente saiu de um focus group que lhe diz que as suas possibilidades eleitorais estão nos segmentos ressentidos dos estratos mais baixos das classes médias que lutam arduamente para ter um nível de vida de mínima qualidade e que não atribuem as suas dificuldades às injustiças do mundo mas aos seus companheiros de sofrimento que estão um ou dois patamares abaixo e vivem em habitação social, recebem transferências sociais, têm vidas precárias. O que inspira André Ventura é a convicção de que as correntes sociais de estigmatização podem ser a sua oportunidade eleitoral.
Não me custa a acreditar que o jurista, professor universitário, etc André Ventura não fosse racista. Por isso mesmo o se comportamento político é repugnante. Por não sair das catacumbas da ignorância de onde sai o PNR, mas da consciente tentativa de manipulação política de sentimentos racistas, de ódio e de estigmatização, o discurso do Professor André Ventura marca a tentativa de ser um protagonista local do projecto político da direita nacionalista que floresce noutras partes  da Europa. Que o PSD não ponha entre si e esse discurso um muro intransponível de condenação diz-nos de quanto o partido navega hoje nas àguas da direita intolerante, seja por estratégia, táctica ou desnorte.
Mas só há uma forma de dar uma lição ao Professor André Ventura. Conseguir que tenha uma derrota estrondosa em Loures. Pessoas do seu calibre não reconhecem a luta das ideias e não se convencem. Vencem ou são vencidas. O eleitorado de Loures tem nas mãos a oportunidade de dizer a Portugal que continua a não ser desejado nem apoiado o discurso político dos  Le Pens ou Orbans deste mundo. E qualquer voto que não no PSD serve para esse fim. Desta vez até o CDS deu uma lição de sentido de responsabilidade e cultura democrática aos seus parceiros da direita parlamentar,

7.7.17

Seria justo taxar o património para financiar cuidados a idosos?

Como garantir o financiamento dos cuidados aos idosos sem agravar fracturas geracionais? Pode taxar-se os idosos para financiar esses cuidados? Se pudermos, devemos? Como? seria justo taxar o património dos idosos para financiar adequadamente os cuidados, fazendo uma gestão colectiva dos riscos de necessidade de cuidados? Por enquanto, no país dos lares ilegais e do salve-se quem puder para arranjar vaga num lar, ou dos crescentes maus-tratos a idosos de que se fala em surdina, fechamos os olhos ao assunto. Mas, se vamos viver mais e com mais tempo a necessitar de cuidados, se vamos sofrer mais de dependências ligadas ao envelhecimento e, por exemplo, de demências senis e se queremos ser justos para com os que sempre perdem, isto é, para com os idosos de baixos recursos, um dia temos que começar a conversar sobre este assunto e não andaremos longe do debate inglês referido neste artigo de Polly  Toynbee no Guardian https://www.theguardian.com/commentisfree/2017/jul/06/social-care-crisis-taxing-old-peoples-property?CMP=Share_iOSApp_Other.

1.7.17

A garantia de um rendimento para uma vida digna vinte anos depois do RMG

Há vinte anos, no dia de hoje, entrava em vigor em todo o território nacional, após um ano a funcionar em projectos-piloto de base municipal, um novo direito, o direito a um mínimo de rendimento para uma vida digna. 
O então designado rendimento mínimo garantido perdeu o nome, porque a ideia de garantia arranhava os ouvidos da direita e por mais que uma vez foi vítima de tentativas de asfixia burocrática, bem como de reduções de valor, a que, contudo sobreviveu.
A medida, que é um rendimento mínimo de participação e não um rendimento básico incondicional, foi criada com a intenção de assentar em dois pilares: o da prestação monetária e o do programa de inserção. Contudo, o Estado e a sociedade civil nunca chegaram a conseguir tornar o segundo pilar tão efectivo quanto necessário. Mas para o desenvolver criaram-se comissões locais participadas que foram embriões de uma territorializacao da política social que frutificou também em outras medidas.
Olhando para trás percebe-se que a enorme politicização inicial, com o PS a torná-la num símbolo da sua sensibilidade social e a direita a usá-la para estigmatizar os pobres, fez mal ao seu desenvolvimento equilibrado. Nessa politicização até o austero Tribunal de Contas se prestou ao episódio lamentável de uma das tecnicamente mais mal feitas e politicamente enviesadas auditorias da sua história, demonstradora, aliás, das suas limitações na compreensão das políticas sociais.
No calvário da vida política da prestação, até a crise financeira internacional serviu para um dia PEC misturar a já então discreta política pelos pobres com as reformas necessárias para combater o mítico estado social gordo.
Mas, finalmente, o rendimento social de inserção, como a direita o rebaptizou, é uma prestação com a qual os governos e a sociedade estão em paz. Saiu da boca de cena dos discursos políticos.Já não se fala dos "ciganos do rendimento mínimo" nem dos depósitos bancários dos milionários que requerem a prestação. Isso é bom. Contudo, esse silêncio pode estar também a permitir-nos esquecer quantas vidas a medida mudou, quantas novas oportunidades se criaram, quantos destinos se alteraram.
E, o que mais me preocupa não é a prestação, é que o problema que ela visa ajudar a resolver, o da pobreza extrema das pessoas de todas as idades, está aí, arriscando-se também a voltar a ser invisível.
Portugal precisa de um novo fôlego na política contra a pobreza e de um novo investimento, nomeadamente no apoio às famílias jovens, que seja muito mais abrangente que o que o RSI pode dar, tal como existe hoje.
Era essa atenção renovada ao combate à pobreza que, vinte anos depois, poderia continuar a dar sentido às preocupações sociais de que o RSI nasceu, não a glorificação de uma medida que entrou, felizmente, no nosso edifício das políticas sociais de cidadania.
É apelando a que se debata as formas de combater a pobreza e, em especial, aquela a que o Estado dá hoje menos atenção, como a das famílias jovens, marcadas pelo desemprego e a precariedade, a dos pais das crianças e jovens pobres que nos aparecem nas estatísticas, que acho que se pode honrar hoje, vinte anos depois, o espírito que um dia conduziu a esta medida.
Portugal continua muito desigual,  a ter muita pobreza e uma política social tímida na hora de a combater. Que a luta contra a pobreza volte à boca de cena e poderemos todos festejar o RSI, deixando-o em paz, no papel que já assumiu, até circunscrevendo-o, na interacção com as medidas que faltam. Quais? Para começar, apoios decisivos à redução da pobreza das famílias com filhos em idade escolar.

28.6.17

Eu não devo saber o que quer dizer a palavra emergência

A Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna informa-nos que Portugal tem duas estações móveis na sua rede de comunicações de emergência.
Uma sofreu uma avaria antes de 15 de Maio e estava ainda em reparação fora do país a 17 de Junho.
A outra já estava na noite de sábado 17 de Junho na oficina em que tinha revisão marcada para a segunda-feira 19.
Às 21h15 de 17 de Junho foi solicitado o envio das duas estações móveis para Pedrógão Grande. Só uma hora e trinta e três minutos depois quem o solicitou foi informado que era impossível enviar uma delas. A outra ficou operacional no local do país em que era necessária 12 horas e 17 minutos depois de solicitada.
Tudo isto resulta do que li aqui. Se isto é razoável, eu não devo saber o que quer dizer a palavra emergência.

31.5.17

Rendimento Básico Incondicional? O meu testemunho

A equipa que mais tem estudado o direito e a proteção social lançou o debate sobre o Rendimento Básico Incondicional na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Fui, com prazer, testemunhar a minha perceção sobre o debate e as minhas dúvidas sobre a ideia, começando pela diferença entre pensar a inclusão como acesso a uma prestação que liberta de necessidade e obrigações e pensá-la como acesso a prestação que liberta da necessidade e dá acesso a oportunidades que implicam obrigações.
Os organizadores disponibilizaram o vídeo. Aqui está ele.


30.5.17

A minha escola

Orgulho por Esgueira. Não é só por ser, com distância de quase cinco décadas, a minha escola.  Não é só por ser a boa experiência que nasce agora numa comunidade local onde o forte insucesso escolar me ajudou a ver as desigualdades sociais e a injustiça muito antes de as conseguir racionalizar. É porque a ideia mostra que quando se acredita na escola para todos há tantas coisas que se tornam possíveis. E anda por aí tanto insucesso evitável.

6.5.17

O partido de Rui Moreira já não é o Porto

Rui Moreira começou por criar um movimento local, que se pretendia transversal às ideologias e centrado na afirmação global da cidade do Porto. Conseguiu.
O PS, com humildade democrática, empenhou-se e fez dos seus vereadores importantes pilares do projecto de cidade do movimento que dizia preocupar-se apenas com o Porto e - recorde-se - com a correcção da desastrada presidência de Rui Rio.
É natural que, se o partido de Rui Moreira continuasse a ser o Porto, o PS acabasse a apoiar esse movimento e que, se Rui Moreira apenas quisesse estar rodeado dos "melhores" quisesse a seu lado de novo quem esteve tão lealmente durante um mandato inteiro.

Mas tudo mudou quando o partido informal de Rui Moreira mudou de estratégia e passou a ter como preocupação central a consolidação do apoio do eleitorado conservador da cidade. A passagem ao discurso anti-partidos em geral, a compreensão para com as talvez necessárias ditaduras temporárias (foi assim que começou a nossa), a esquizofrénica separação entre os bons vereadores que vieram do PS e que passam a ser maus se disserem que são do PS, o receio de que o PS festeje a vitória de um candidato que apoia, tudo resulta da mesma inversão estratégica. 
Rui Moreira quer agora tentar ganhar o Porto pela direita, mobilizando os setores mais conservadores da cidade, entrar numa nova fase da sua governação local, já não assente numa dinâmica transversal às ideologias, mas na afirmação da direita cosmopolita que existe no Porto e tem nele um excelente protagonista. O problema do partido informal de Moreira passou a ser a discussão com o PSD sobre quem lidera a direita na cidade.
Quando isso se torna claro, o PS só pode deixar o general cosmopolita portuense no seu labirinto e abandonar o projecto que já não é para afirmar o Porto e passou a ser uma construção para liderar a direita local.
Perante a mudança estratégica de Moreira só uma resposta era possível, a que o PS-Porto decidiu. Os vereadores que o PS eleger, o Presidente da Câmara se ganhar as eleições, serão no próximo mandato o que foram neste, socialistas que põem um projeto para o Porto acima de todos os outros desígnios políticos, mas que não se envergonham nem escondem o seu partido, ou que o seu partido é de esquerda, não de direita.

9.4.17

A imprevisibilidade dos EUA é um problema

Na Síria, Trump fez exactamente o contrário de que sempre defendeu. Em 60 horas, depois do desumano episódio do uso de armas químicas, passou de desinteressado pelo futuro de Asad, focado apenas no combate ao ISIS, a punidor deste por ter passado a linha vermelha.
O bombardeamento punitivo não se inclui, para já, em nenhuma estratégia que se conheça para o destino de Assad, da Síria ou da região. Nada sabemos sobre o nível de cooperação ou antagonismo com a Rússia que apoia o regime, ou com a Turquia que combate os curdos que os EUA apoiam.
A presidência de Trump é e será assim. Sem caminho claro, sem planeamento adequado, feita de gestos e contradições. Será imprevisível, como disse aqui.
A imprevisibilidade de Trump é um problema  porque é exercida por uma grande potência num mundo em crise. Na mesma Síria dos bombardeamentos decorre uma guerra que tem imensos paralelos com a Guerra Civil espanhola, no Leste da Europa, a Rússia age como se querendo recuperar um lebensraum, na Coreia do Norte, não se sabe o que é delírio e o que é caminho para a guerra. A China parece numa deriva nacionalista que pode ter tentações quando houver que disfarçar a desaceleração econômica. A União Europeia está em fragilização acelerada, entre Brexit, incapacidade de gerir co. Equilíbrio social e territorial a criação da moeda única e a tolerância face a semiditadores dentro de casa.
O relógio da história parece continuar a progredir como entre 1929 e 1945. Oxalá alguém lhe inverta o sentido, rapidamente, mas não está à vista quem nem quando.

18.3.17

O silêncio é uma das consequências mais perversas da privaçãoenvergonhada da liberdade.

Quem quiser pode continuar a ignorar o problema, mas uma democracia que tem um Ministério Público que tem um problema com os direitos, liberdades e garantias corre sérios riscos.
Eu percebi, pelas razões que todos conhecem, a dimensão do problema há mais de uma década. Mas até eu acreditei que parte do que se tornou no meu problema era a dificuldade especifíca de lidar com casos de "moral panic", aliás uma questão estudada internacionalmente e com antecedentes (que podiam ter ajudado a evitar erros graves).
Estava, contudo, errado. Há sectores nas magistraturas portuguesas que têm um problema geral com a liberdade. O problema não é este caso, nem o anterior ou o próximo. São também todos aqueles de que nunca chegaremos a saber. 
Quem se deixar cegar pelo que pensa de cada caso concreto nunca chegará à raiz da questão: falta cultura democrática na justiça e sobram os abusos onde devia imperar a mais rigorosa defesa dos direitos, liberdades e garantias. Aliás, hoje no Público, José Pacheco Pereira, põe, no essencial, a questão no sítio certo. As suas convicções sobre Sócrates só tornam o seu argumento mais forte. Estão a por em causa a liberdade e, digo eu, infelizmente estamos demasiado calados. 
O silêncio é uma das consequências mais perversas da privação envergonhada  da liberdade.

15.2.17

O que a geringonça já provou e os próximos desafios

Os dados sobre o défice provam desde já que, mesmo dentro dos constrangimentos do actual funcionamento da zona euro, cumprindo um exercício apertado de ajustamento, era - sempre foi - possível ter um caminho alternativo ao terror austeritário lançado pelo PSD-CDS.
A geringonça também já provou que é possível por algum tempo reequilibrar de tal forma a relação entre receita e despesa que se gera excedente primário sem arrastar o país para a crise social.
O PCP, o BE, os Verdes e o PS já provaram que se pode conseguir paz social num contexto adverso enquanto se faz escolhas políticas difíceis priorizando adequadamente objectivos e gerindo com racionalidade as agendas.
Há, contudo, duas provas por fazer, em minha opinião. 
Em primeiro lugar, a de que é possível ter um rumo sustentável no quadro institucional do euro com os constrangimentos da gestão do actual nível de dívida. Parece-me que não é e que, um dia, a questão da restruturação da dívida tem que sair debaixo do tapete.
Em segundo lugar, a de que é possível ter uma agenda social que vá além da reversão das medidas do anterior governo e da saída do estado de exceção. O episódio do acordo na concertacao sem maioria no Parlamento sobre TSU e salário mínimo é apenas um sinal. Mas um sinal de que governo e parceiros sociais ou não mexem nas questões de fundo ou têm que se adaptar ao quadro institucional de que não há medidas positivas relevantes que escapem ao crivo da actual relação de forças parlamentares.
Se os partidos da geringonça não conseguirem construir uma relação positiva com a concertacao social e esta não adaptar às suas dinâmicas ao facto de que o PSD é hoje um partido liberal sem vinculação à concertação, há um risco de congelamento de reformas necessárias. 
Descongelar o debate sobre políticas sociais, construindo convergências que por ora parecem não existir na geringonça é o próximo passo na frente interna da política e na sustentabilidade desta solução de governo. 
Reequacionar as dinâmicas da concertação social ao fim do arco da governabilidade é um exercício desafiador mas não impossível para os parceiros sociais.
Esses próximos debates, no espírito da questão da agenda para a década que o Porfírio Silva suscitou, não se afigura fácil. Mas já vi exercícios mais difíceis. Resta saber se há vontade de dar à geringonça um programa sustentável ou apenas fazer dela um arranjo transitório num contexto anormal para o regresso logo que possível ao status quo ante da política portuguesa. 
Por enquanto, na frente social, nenhum partido da esquerda e nenhum parceiro social saiu da sua trincheira anterior.

1.2.17

Quando vai deixar de haver lares ilegais para fechar?

Levamos mais de duas décadas de fecho  continuado de lares de idosos ilegais. 
Os jornais continuam a falar de maus-tratos, más condições de higiene e segurança, deficientes cuidados de saúde e, em geral, de condições que ferem a dignidade humana e estão para além do simples incumprimento de normas técnicas e regulamentos.
Muitos destes lares que são agora encerrados abriram depois de encerrados os lares que antes o tinham sido.
Há, portanto, em Portugal, oferta e procura de lares ilegais e com condições precárias. Mesmo que admitamos, o que julgo muito razoável, que os parentes dos internados nesses lares ignoram o que se passa pelo menos o suficiente para poderem suportar a situação, temos que concluir que há um problema estrutural por resolver. Não é credível que haja uma massa de parentes sádicos que querem ver ou pelo menos intuir que há membros da sua família sofrer.
Sabemos ainda que o acesso a uma vaga num lar de idosos no sector da solidariedade é um processo difícil, frequentemente de transparência pelo menos mitigada e em que se acumulam as listas de espera.
Como sabemos que os preços nos lares legais com fins lucrativos são escravizantes ou incomportáveis para famílias com rendimentos médios, para não falar das de baixos rendimentos.
Sabemos também que o envelhecimento, se permite às pessoas viver mais tempo saudáveis, também trouxe períodos de vida longos com incapacidades graves e, nomeadamente, com saúde mental degradada, difíceis de gerir pelas famílias mantendo a co-residência, independentemente da solidez dos laços afectivos.
Por tudo isto, o problema não se esgota na repetição de manchetes com o número de lares encerrados. Exige políticas públicas que partam da constatação que são famílias como a nossa que se vêem forçadas a opções difíceis. Encarar a responsabilidade do Estado no envelhecimento exige actuar a montante dos lares de idosos.
Ou seja, uma política realista para famílias reais, que assuma o problema real de que o internamento de idosos e outras pessoas severamente incapacitadas em situação condigna e suportável pelas famílias é uma necessidade social não satisfeita. Que tem que ser abordada, incluindo na busca de alternativas ao internamento e na afirmação de que há uma responsabilidade pública no cuidado de idosos, reforçada em casos de dependência física ou demência senil, por exemplo. Mas sem ignorar que há um problema de cuidados por resolver que impele as famílias a aceitar situações inaceitáveis, quando não a agirem de modo igualmente inaceitável.
Enfrentar o envelhecimento é também ganhar consciência de que a questão inclui mas não se esgota nas pensões. Implica ajudar as famílias a não tolerarem o mercado ilegal de lares. E isso implica ter alternativas a este mercado ilegal e infra-humano.




15.1.17

Partiu a mãe do Rendimento Mínimo Garantido

Do seu punho saíram as soluções jurídicas para quase todas as conclusões dos longos debates em que um pequeno mas diversificado grupo de funcionários públicos, assessores ministeriais e peritos ia produzindo a medida que não podia falhar nem esperar.
O meu encontro com a mãe do RMG, a Dra Leonor Guimarães ensinou-me muitas coisas mais importantes para a vida do que algum dia conseguirei sintetizar.
Conhecê-la foi uma lição para muitas outras dimensões da minha vida.
Ela era parte de um grupo de pessoas fulcrais para o bom desempenho do Estado, invisíveis mas detentores de sólidos saberes, com ideias próprias mas leais às decisões democráticas, capazes de suportar muitos ignorantes arrogantes que chegam a posições de alguma importância sem currículo nem saber que justifique o poder que julgam ter.
Leonor Guimarães foi para mim um símbolo do profissionalismo dos funcionários públicos, de um profissionalismo insuficientemente valorizado e respeitado.
Não posso esquecer o que me disse quando finalmente ganhámos reciprocamente confiança no grupo que preparava o RMG: "na primeira reunião pensei que lá vinha mais um assessor de Ministro ignorante e atrevido".
Muitas vezes senti que a sua intransigência prendia ao chão a minha vontade de voar na inovação em vários pontos necessários. Nem sempre ela tinha razão. Mas os nossos enfrentamentos ajudaram a que a medida que a direita jurara destruir ainda ande por aí.
Poucas vezes a vi depois de sair do Governo, mas muitas vezes penso no que aprendi com ela e com toda a geração de grandes profissionais da segurança social a que pertencia. 
A melhor homenagem que posso
hoje prestar-lhe é a expressão do meu agradecimento. É dar-lhe ainda a notícia de que tem seguidores de grande nível na casa e na causa a que dedicou a vida, que eu também já tive o prazer de encontrar em outras leis e noutros projectos, a aplicar noutros países. É dizer-vos, para que saibam: morreu a mãe do Rendimento Mínimo Garantido.

7.1.17

Liberdade, sempre.

"Já todos os portugueses estiveram uma vez comigo e outra contra mim", respondeu-me Mário Soares, então candidato presidencial, numa das poucas conversas pessoais que alguma vez tivemos e em que lhe procurava carregar a tintas negras as hipóteses da sua candidatura.
Hoje é um dos momentos em que todos estão com ele. 
O que fazia de "o Mário" como lhe chamavam os socialistas um ser político único era a forma como combinava a total flexibilidade em relação a tudo o que era conjuntural com o rigor total em relação a tudo o que era fundamental e, acima de tudo, a liberdade, incluindo a sua liberdade de interpretar o mundo e agir, desobedecendo se necessário a todas as conveniências e proximidades.
Estando muito longe de lhe ser pessoa próxima, sinto como português a gratidão por Mário Soares herói da liberdade, sempre e em toda a parte. 
E sinto em relação a ele como pessoa, não posso deixar de o testemunhar, a gratidão devida a quem nunca se calou quando lhe podia ter sido confortável fazê-lo quando a injustiça me bateu à porta.
Não era seu amigo porque não tinha proximidade para isso. Era seu admirador. E estive em relação a ele como todos os portugueses. Sou dos que acham que os heróis são os que são seres humanos com erros e contradições. Soares é um dos meus pouquíssimos heróis.